19 julho 2009

O barco da vida!
(Homenagem aos Barcos Encalhados)

Hoje, vesti-me do azul desbotado
já velho e cansado e senti-me, barco ancorado
meus braços quebrados, pernas mortas
mas o coração batia e os dedos
pendurados nas mãos, elos quase soltos
dançavam como pregos enferrujados, quebrados
a soltar pranchas da madeira já podre arrumada na beira
escrever esta prosa embarcadiça pensei não aguentar
meu corpo numa carcaça velha cansada, fatigada vi
senti o abandono e na alma trazia uma farpa de madeira
do tamanho do mundo a atravessar-me o peito, que me dizia:
- não fazes nada aí!
Os olhos num choro como coro de criança que almejava colo
mas o rio da solidão andava vazio
aquele amargurado desabrigo de boca já seca e o cheiro
o cheiro ainda era maresia em água morta.

Hoje, vi-me na pele de um barco maltratado entregue ao tempo
memórias cogitadas, perdidas
abeiravam-se feridas e ousadas respostas que nunca vinham!
Quantas árvores necessárias a causar este casco
e quantos homens ofertaram vidas a construí-lo
ganhar moedas para pão seria um dos múltiplos propósitos
e tantos suores escorridos nos rostos esfomeados
cansados e outros mortos, mares engolidos
noites e noites de insónia mal dormida
quantos pregos nas madeiras unidas agora desencaixados
madeiras encalhadas na berma de um rio, outrora júbilo
agora lamentação em forma de barco sem tinta nem cheiro
mas cheio de memórias a escudar pelos cantos, pelas frinchas
memórias de um barco esquecido
memórias ignorâncias mudas sofridas
- não sou nada perante a morte!
- não sou nada perante a vida!
Sou barco que vem do norte, barco que sente, barco da sorte!
Barco também tem história, como gente e ondas ousadas
marés vivas altas e baixas como esperanças
e peixes aos saltos para os filhos alimentar.
Insólitas são as histórias esquecidas nas agruras do tempo...
... noites de amor lá dentro!

Hoje vesti-me na pele de um barco entendi seu vazio
agarrei na emoção que morreu morta e envelhecida
a carcaça do barco que ficou adornou as bermas do rio!
Eis que chegou o inadiável renascer para a vida
que só carece de pregos e tábuas, cor e remos com vida.
- Traz também uma vela branca!
- Traz também uma vela branca!
(gritou o ardina)
O barco é de esperança tem de ir onde o vento quer ir
pelo mar a dentro pegar peixe a saltar nas redes cozidas alegres contentes
e muita gente, muita gente para vê-lo chegar!

Uma esperar, um festejo, gracioso e cheio de bandeiras
e pétalas de flores pelo ar, vamos sentar nas soleiras
com pão de milho e tigela de vinho na mão!

A lareira está acesa com carvão e o barco, o barco há-de trazer peixe!
O barco, só impõe um coração!
Cantares ao desafio, aclamação e palmas muitas palmas.

Prosa Poética \ Reflexão
Por Rosa Magalhães

 
"Barco é um artefacto construído por um ser humano, capaz de flutuar e se deslocar sobre a água que envolve vários princípios da física e da geometria." enciclopédia livre

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